segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O legado de um líder

Líderes existem em quase todas as organizações humanas. Sejam elas empresas, governos, ONGs, instituições religiosas, culturais, esportivas, científicas, educacionais, entidades sem fins lucrativos, associações formais ou informais, sociedades limitadas ou anônimas, sindicatos, de aficionados e colecionadores, etc. É deles, por definição, a responsabilidade por algo essencial ao funcionamento de um tal organismo: a tomada de decisões.

Até mesmo em cooperativas, comunidades e afins, onde os membros ou participantes são hierarquicamente equivalentes, é necessário algum tipo de liderança ou comando que permita a coordenação das atividades e fomente uma base de operação comum. Boas ou ruins, é através da liderança e das regras que a humanidade se organiza.

Em conjunto (de maneira participativa) ou via deliberação individual, em consenso ou pelo uso da autoridade (“goela abaixo” no popular ou “top-down” no corporativo), mediante avaliação e escolha, secretamente ou por aclamação, intuitiva ou racionalmente, seja como for, o líder ou os líderes têm este papel fundamental de tomada de decisão. Ela guia o resto do corpo funcional desde a compra do cafezinho até as estratégias de investimento, financiamento, crescimento, metas, etc. Da missão e da visão à cor do uniforme. Do horário da missa aos dogmas mais profundos.

É claro que a forma ou o processo de tomada de decisão depende tanto das regras de funcionamento e do modo operacional da organização, bem como da complexidade, da importância, da criticidade, do impacto, dos riscos envolvidos, do custo-benefício e de outros fatores que envolvem suas atividades e cada decisão individual.

Mas não é isto que se quer discutir aqui. Nem tampouco vai-se entrar no mérito das questões que diferenciam um líder de um chefe. Pretende-se lançar luz ao fato de que ao longo da quase infinita seqüência de tomada de decisões que se faz no dia-a-dia, desde as aparentemente mais simples e insignificantes até as mais importantes e complexas, é através delas que um líder constrói um enredo, uma história, um legado.

Este legado, ao final do mandato, da ordenação, da vida, da organização ou até a próxima reorganização, constitui um espelho daquilo que o líder é, pensa, pretende. É como um conjunto de fios que, vistos de longe, constituem um tecido, o “conjunto da obra”.

Pode-se então inferir que, se a função principal do líder é tomar decisões, então as escolhas feitas e os resultados e desdobramentos destas constitui efetivamente tal legado, o ‘patrimônio’ que sua gestão, enquanto efetiva, entrega à organização.

Esta seqüência de escolhas acaba por determinar os caminhos que a organização segue, seus resultados, sucessos e fracassos. E, não menos importante, acaba por afetar as pessoas individualmente, como seres humanos e/ou como profissionais.

Observando-se este ‘patrimônio’ em sua plenitude, em todos os seus aspectos e facetas, pode-se então voltar a sua origem – o líder, e compreender (mesmo que de forma indireta ou por dedução) quais eram (ou são) seus objetivos, intenções e motivações.

Aqui chega-se ao foco de interesse: o que guia um líder no seu dia-a-dia de escolhas? O que faz ela ou ele gastar mais ou menos tempo e esforço em determinados temas? O que norteia suas decisões? O que move seus passos, contatos, iniciativas?

Obviamente não há resposta exata, certa ou perfeita. Dadas as infinitas combinações possíveis entre o perfil do líder, da organização, fatores externos e de cada situação particular, pode-se dizer que ‘cada caso é um caso’.

Relevância, custos, estratégia, metas, valores, competição, sociedade, informação, leis, regras, ética, valores, aspirações, objetivos, medo, paixão, urgência, conhecimento, ignorância, inocência, experiência, tradição, circunstâncias, etc. tudo se combina em proporções diferentes para gerar uma decisão específica.

Mas, se foi dito acima que o conjunto de suas decisões permite ver o que ela ou ele pretende, então pode-se pelo menos concluir que apesar da singularidade de cada momento ou situação, cada uma delas tende a apontar para uma direção comum, mesmo que com ângulos distintos ou em alguns casos, contrários em sentido contrário mesmo. O ‘norte’ que guia o líder.

Então um líder mostra-se desta forma (usando uma linguagem matemática: pela integralização dos seus atos tomados individualmente) e é possível concluir se tal legado foi bom ou ruim sob determinados pontos de vista ou aspectos, mesmo que esta avaliação dependa do filtro individual de cada um que faz tal julgamento, de seus valores e crenças particulares, e também se/como esta pessoa foi afetada por tais decisões.

Fazendo-se uso do senso comum e dos valores vigentes em uma sociedade é possível compreender se uma pessoa guiou-se pelos seus interesses particulares ou para o bem da organização que liderava. Se foi egoísta ou se almejou o sucesso de maneira equilibrada, com base na competência e com respeito aos colegas. Se foi presente e participativo ou distante e frio. Se foi responsável e ponderado ou se foi ‘ousado’ e ganancioso. Se teve real interesse pelas pessoas ou se as manipulava por trás de um falso discurso de valorização dos recursos humanos.

Enfim, apesar de tantas subjetividades, com boa dose de equilíbrio e deixando as paixões de lado, pode-se avaliar em que direção um líder procurou alinhar sua organização e se seu legado deve ser preservado e aprimorado ou se foi destrutivo e desagregador e precisa ser interrompido e colocado entre as ‘lições aprendidas’ e que não devem ser repetidas.

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